quarta-feira, 27 de novembro de 2013

“Yolanda Calaboca”: atravessando as fronteiras entre a lembrança e a imaginação



“Yolanda Calaboca” é um trabalho desenvolvido pelo Cia Casa das Fases – Núcleo de Arte e História com Senhoras e Senhores, de Londrina, que traz à cena um monólogo realizado pela atriz Carmem Mattos, de 82 anos. O espetáculo apresenta ao público um cenário que logo traz à tona seu tema: memória de uma vida vivida. Fechado por uma cortina de tule que era aberta lentamente pela própria atriz que entrava em cena carregando uma mala, o palco revelava uma colcha de renda que formava uma espécie de “casa-cabana” e alguns objetos que remetiam ao tempo passado: uma máquina de costura, um ferro antigo e um ventilador velho. Segundo a Cia, uma pesquisa sobre a velhice e a loucura deu origem ao espetáculo.
Se o monólogo trazia poucas falas, no entanto, o cenário, os gestos e a trilha sonora conduziam o espectador pelos labirintos de uma memória que, não sem perturbação, revelava as perdas de uma vida. Entre elas, um aborto - simbolizado por uma cena em que a personagem retira de dentro da blusa um tecido vermelho - que ainda reverberava vivamente na memória como aquilo que poderia ter sido e não foi. Não só na memória e nem só no pano vermelho, no entanto, estavam as marcas dessa desilusão. O vestido de tule perolado e envelhecido da atriz trazia em sua saia vários bonecos de pano pendurados.  Também a sua mala continha um boneco em tamanho real – como um peso a ser carregado ao longo do percurso. Era este boneco, agora, que, tido como filho, lhe acompanhava na tentativa de prosseguir com uma vida que não mais passível de ser recomeçada, buscava, em cena, reconstruir-se atravessando as fronteiras entre a lembrança e a imaginação.
Um pano colorido com a imagem de Nossa Senhora Aparecida pendurado em um varal e frases que remetiam a religião possibilitavam ao espectador inferir uma espécie de culpa da personagem diante das atitudes cometidas. A cor vermelha do seu batom, do seu esmalte, do pano e do guarda-chuva era presença forte no palco e contrastava vivamente com a palidez e o apagamento do restante do cenário e do figurino, ambos bege perolados. O contraste das cores pareceu enfatizar a vivacidade do tempo passado (ainda presente) no tempo atual, marcado pelo apagamento.



Os elementos dispostos em cena tornavam-se, assim, os responsáveis por comunicar simbolicamente as sensações e os sentimentos que às lembranças – doloridas e chocantes - calavam.  Somam-se a eles as expressões oscilantes e os movimentos da personagem que gargalhava, dançava com seu boneco, fumava um cigarro, abraçava a mala, segurava o guarda-chuva em uma chuva imaginária... A fragmentação das cenas refletia uma subjetividade também fragmentada que compunham verossimilmente o descompasso da loucura. O espetáculo é também uma homenagem a uma das atrizes pioneiras da Cia, Jandira Testa que, a princípio, também fazia parte da montagem e que faleceu no ano passado, mas concretiza-se como uma homenagem à vida e suas dores e, portanto, “à vida, apenas, sem mistificação”, para usar as palavras de Drummond.



Camila Hespanhol Peruchi faz parte do grupo de Crítica Literária Materialista da Universidade Estadual de Maringá.
 Fotos: Rafael Saes


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